Foto: Claudio Vaz (Arquivo/Diário)
Um dos nomes mais importantes da música nativista do Rio Grande do Sul, João Chagas Leite morreu nesta terça-feira (11), aos 80 anos, em Erechim, no norte do Estado. Natural de Uruguaiana e radicado por mais de duas décadas em Santa Maria, o cantor, compositor e instrumentista deixa um legado que atravessa gerações e consolidou a identidade cultural gaúcha em versos, melodias e palcos de festivais.
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A morte de Chagas Leite, em decorrência de complicações de saúde após o tratamento de um câncer, mobilizou amigos, colegas e admiradores. Entre eles, o músico e compositor Chico Alves, natural de Uruguaiana e parceiro em festivais, destacou que a perda vai muito além do meio artístico.
– Uruguaiana está de luto, Santa Maria está de luto, Erechim está de luto, o Estado está de luto, a arte e a música nativista estão de luto – afirmou
Chico recorda que a trajetória do artista começou ainda nos conjuntos de baile da fronteira, antes de os festivais nativistas ganharem força.
– O João Chagas era guitarrista de uma banda chamada Os Mugs, assim como eu. Mesmo com um problema na mão, ele conseguiu tocar com paciência e talento – relembrou.
O músico também contou como o cantor se destacou na 3ª Tertúlia Musical Nativista de Santa Maria, em 1983, interpretando Penas, composição de Chico e Kenelmo Alves.
– Ali começou a história do João Chagas Leite como intérprete. Ele começou a se impor, uma voz bonita com talento indiscutível – disse.
Para Bruno Fernandes, presidente da Estância do Minuano, entidade organizadora da Tertúlia, João Chagas Leite representa um capítulo essencial da história da música nativista de Santa Maria.
– Ele ganha a 3ª Tertúlia Musical Nativista com Penas e, no ano seguinte, em 1984, vence com Campo, Pampa e Querência. Outra música importante no cancioneiro gaúcho e que marcou a Tertúlia de Santa Maria”, lembrou. Fernandes afirmou que, na edição deste ano, o festival pretende prestar homenagem ao artista.
– Com certeza haverá uma referência ao João e todo o legado que ele deixa para esse festival, que é tão importante para a nossa cidade.
Além do legado musical, os amigos lembram da humildade e da generosidade do artista. O ex-vice-presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) e diretor de danças tradicionais, Valmir Böhmer, descreveu Chagas Leite como um símbolo de liberdade e reflexão.
– Mais que um artista, mais que um poeta, parte um expoente de racionalidade, que muitas vezes nos fez refletir, nos fez sonhar através dos seus versos.
Valmir destacou a importância da obra e citou um dos versos que mais o marcaram, do clássico Seiva de Vida e Paz:
– 'Se os senhores da guerra mateassem ao pé do fogo, antes de lavar a erva deixando o ódio para trás, o mundo estaria em paz'. Ele permanecerá vivo nas suas canções, nos seus versos poéticos que tanto nos encantam.
O músico Marcello Caminha, considerado um dos grandes instrumentistas da América Latina, lembrou da inspiração que recebeu de João. Ambos compartilham uma particularidade física, dificuldades nas mãos, que nunca os impediram de tocar.
– Quando eu vi o João tocando violão daquele jeito, eu prestei muita atenção. Aquilo me disse: se esse cara consegue tocar com essa mão, eu consigo também. O valor que o João tem na minha vida é de ser um inspirador para essa superação.
Legado e repertório
Com mais de 300 composições e 13 primeiros lugares em festivais nativistas, João Chagas Leite se tornou um dos pilares da música regional do Rio Grande do Sul. Entre suas canções mais conhecidas estão Desassossegos, Ave Sonora, Ainda Existe um Lugar, Partida e Sol de Abril. A mais emblemática, Por Quem Cantam os Cardeais, virou símbolo do município da fronteira e hino nativista de Uruguaiana.
Para os colegas, porém, o maior legado de João Chagas Leite não está apenas nos prêmios, mas na sensibilidade com que deu voz ao campo, ao povo e à alma do gaúcho. Como resumiu Valmir Bohmer, “a partida do ser humano tão pouco fragiliza a vida do artista, que permanece uma chama acesa em cada um que aprecia essa arte”.
Luto
Em suas redes sociais, a prefeitura de Uruguaiana, terra natal de João Chagas Leite, decretou luto oficial de três dias e se solidarizou com familiares e amigos do artista, definido como um "ícone da música tradicionalista. Confira:
O perfil oficial da Tertúlia Musical Nativista de Santa Maria também lamentou a morte do artista, que venceu duas edições consecutivas da competição. "João Chagas Leite marcou gerações com seu talento singular, sua voz inconfundível e a sensibilidade que tão bem expressava em suas composições. Foi uma presença constante e inspiradora em diversas edições do nosso Festival, destacando-se com canções que conquistaram merecidos prêmios e o carinho do público." Confira: